O ano era 1972 e de ônibus, no dia 4 de outubro, chegávamos de volta à casa. Havíamos partido do Rio de Janeiro, onde chegáramos de navio. A viagem havia iniciado 15 dias antes na Alemanha. De ônibus cruzamos os Alpes, onde vimos as primeiras neves do outono, e chegamos a Gênova, na Itália, cidade portuária da qual partiu o navio. Era o final de uma viagem de 4 meses. Naquela época algumas pessoas ainda viajavam de navio, pois era bem mais barato do que viajar de avião. A vida também era levada num ritmo muito mais lento, sem a urgência que temos hoje. Fico feliz de ter podido viver o final de uma época que não voltaria mais.
Após deixar o porto de Gênova, o navio fez uma escala de algumas horas em Barcelona. Foi o bastante para podermos ver a igreja Sagrada Família, o monumento a Cristóvão Colombo e uma réplica da caravela Santa Maria, com a qual Colombo descobriu a América.
Para chegar a Lisboa utilizamos a mesma via fluvial pela qual saíam ao mar os grandes navegadores dos séculos XV e XVI, o rio Tejo.
Seguiram-se 8 dias de mar. Deitado no beliche da pequena cabine que ocupamos, eu tinha uma visão privilegiada e pela escotilha observava durante horas os curtos planeios dos peixes voadores que a proa do navio afugentava. O lazer a bordo era pouco. Havia alguns jogos de tombadilho e uma pequena piscina com água fresquinha bombeada continuamente do mar, uma verdadeira maravilha para um menino de 11 anos.
Como o navio era de banderia italiana, à mesa nunca faltou uma boa macarronada com um excelente molho bolonhês. Eu ainda tinha direito a um refrigerante a cada refeição. Era quase o paraíso!
Àqueles que cruzaram pela primeira vez em suas vidas a linha do Equador coube o tradicional batismo de Netuno.
Avistamos terras brasileiras por alguns minutos quando o navio passou ao largo do arquipélago de Fernando de Noronha, que ainda estava verde, apesar de que a estação seca já havia iniciado.
No amanhecer do dia seguinte a tão esperada vista da entrada da baía de Guanabara foi frustrada pela chuva fina que caía, deixando a paisagem cinzenta. Estávamos de volta à terra brasileira.
Na viagem de ônibus do Rio de Janeiro a Porto Alegre eu li a primeira revista Quatro Rodas da minha vida, pois Émerson Fittipaldi havia sido campeão de fórmula 1 pela Lotus. Eu trazia da Europa uma calculadora mecânica de mão que somava e subtraía, que assombrou meus amigos. De volta ao lar comecei a fazer pequenos trabalhos no jardim das casas dos vizinhos para juntar dinheiro, pois sonhava em comprar um gravador de fita cassete, o prodígio da indústia eletrônica da época. Tinha também planos de fazer um curso de datilografia, pois uma vez concluído o curso eu ganharia uma máquina de escrever usada, para fazer os trabalhos da escola.
Algo que lembro muito bem é que durante esta viagem os meus pais seguidamente recordavam momentos de uma outra viagem que haviam feito 13 anos antes aos EUA. Quando contavam algo de lá sempre iniciavam com uma frase como esta: "Há 13 anos, quando estivemos nos EUA...."
Eu escutava e para mim, então com 11 anos de idade, estes 13 anos aos quais se referiam, pareciam quase a eternidade.
Olhando as fotos da viagem de 1972 me dou conta que desde então já se passaram três vezes 13 anos e que tudo foi muito rápido, talvez rápido até demais.
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